domingo, 27 de setembro de 2009

Deus não pode ser provado pela razão (Kant)


Deus não pode ser provado pela razão (Kant)

Depois de mostrar que nós só alcançamos o mundo dos fenômenos, e é só a partir daí que podemos fazer juízos, Kant nos mostra que a questão de se Deus existe ou não, não pode ser provada pela razão.


Seja qualquer e quanto se queira o conteúdo do nosso conceito de um objeto, nós sempre temos que sair dele, para conferir existência a esse objeto.
Nos objetos dos sentidos isso acontece mediante a conexão com uma das minhas percepções, segundo leis empíricas; mas para os objetos do pensamento puro absolutamente não há meio de conhecer a sua existência, porque esta deveria ser conhecida inteiramente a priori.
Mas a nossa consciência de toda existência (ou pela percepção, imediatamente, ou por raciocínios que unem alguma coisa à percepção) pertence em tudo e por tudo à unidade da experiência; e se a existência fora desse campo certamente não pode ser declarada absolutamente impossível, constitui, porém, uma hipótese que não temos como justificar.
O conceito de um Ser supremo é uma idéia útil sob muitos aspectos; mas, justamente por ser uma simples idéia, é incapaz, por si só, de ampliar o nosso conhecimento a respeito do que existe...
Todo o trabalho e o estudo investido no tão famoso argumento da existência de um Ser supremo foram, portanto, perdidos; e um homem, por meio de simples idéias, certamente não se enriqueceria de conhecimentos, da mesma forma que um mercador não poderia se enriquecer de dinheiro se, para melhorar a sua própria condição, acrescentasse alguns zeros em seu livro-caixa.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009


Razão a marca do ser humano (Schopenhauer)



O trecho que vem a seguir foi retirado da obra máxima de Schopenhauer “O Mundo como Vontade e como Representação” (1818), mais precisamente do oitavo parágrafo do livro primeiro, onde após caracterizar tanto os homens como os animais como possuidores de entendimento o que lhes permite relacionar com o mundo, ele apresenta a diferença que distância o homem do restante dos animais: a razão. A razão utiliza a linguagem como o seu principal instrumento e cuja função essencial é a formação dos conceitos.

Esta nova consciência (a reflexão), espécie de conhecimento em segundo grau, esta transformação abstrata de todo elemento intuitivo num conceito não intuitivo da razão, comunica só ao homem essa previdência que distingue tão profundamente a sua inteligência da dos animais, e que torna sua conduta tão diferente da vida dos seus irmãos desprovidos de razão. Ele excede-os também muito, pelo seu poder e pela sua capacidade de sofrer. Eles apenas vivem no presente, ele vive, além disso, no futuro e no passado; eles apenas satisfazem as necessidades momentâneas, ele prediz as que ainda não existem e providencia, através de mil instituições engenhosas, para um tempo em que talvez ele já não exista. Enquanto que eles são absolutamente dominados pela impressão presente, o homem pode, graças as noções abstratas, libertar-se do presente nas suas determinações. Além disso, vêmo-lo combinar e executar planos concebidos antecipadamente, agir em nome de certas máximas, sem considerar as circunstâncias acidentais, nem a influências ambientais; ele pode, com a maior calma, tomar prudentes disposições a respeito de sua morte; ele é capaz de dissimular até se tornar impenetrável e de levar consigo para o túmulo o seu segredo; ele tem, enfim, o poder de escolher realmente entre diversos motivos, visto que é apenas in abstracto que vários motivos podem ser apresentados simultaneamente na consciência, aparecer pela comparação, a excluírem-se uns aos outros, e dar a medida da sua ação sobre a vontade, após o que o motivo mais forte acaba por vencer: ele torna-se a decisão refletida da vontade, à qual confere assim seu caráter essencial.
O animal, pelo contrário, só é determinado pela impressão do momento; apenas o receio de um castigo instantâneo pode conter os seus apetites, e esse receio, ao passar a hábito, determina imediatamente os seus atos: é toda a arte da domesticação. O animal sente e percebe, o homem pensa e sabe; ambos querem. O animal comunica as suas sensações e o seu humor através de movimentos e de gritos; o homem desvenda ou esconde do outro os seus pensamentos com a ajuda da linguagem. A linguagem é o primeiro produto e o instrumento necessário da razão...
...É apenas graças a linguagem que a razão pode realizar os seus maiores feitos, por exemplo, a ação comum de vários indivíduos, a harmonia dos esforços de milhares de homens num intento preconcebido, a civilização, o Estado; depois, por outro lado, a ciência, a conservação da experiência do passado, o agrupamento de elementos comuns num conceito único, a transmissão da verdade, a propagação do erro, a reflexão e a criação artística, os dogmas religiosos e as superstições.
O animal apenas tem idéia da morte quando morre; o homem caminha todos os dias para ela com pleno conhecimento, e esta consciência derrama sobre a vida uma tinta de melancólica gravidade, mesmo para aquele que não compreendeu ainda que ela é feita de uma sucessão de aniquilamentos. Esta presciência da morte é o princípio das filosofias e das religiões; contudo, não se poderá dizer se elas alguma vez produziram a coisa mais inestimável na conduta humana, a livre bondade e a nobreza de coração. Os seus frutos mais evidentes são, do ponto de vista filosófico, as concepções mais estranhas e mais arriscadas; do ponto de vista religioso, os ritos mais cruéis e mais monstruosos, nos diferentes cultos.
Todos os séculos e todos os países são unânimes em reconhecer que todas essas manifestações do espírito, por mais variadas que elas sejam, procedem de um princípio comum, dessa faculdade essencial que distingue o homem do animal, chamada a razão. Todos os homens sabem reconhecer as manifestações da razão e, quando ela entra em conflito com outras, discernir o elemento racional do irracional; eles sabem também aquilo que não se pode esperar mesmo do animal mais inteligente, sempre desprovido dessa faculdade.